Pirâmide de Maslow, não é de Maslow!

Pirâmide de Maslow, não é de Maslow!

Maslow nunca criou uma Pirâmide para representar sua teoria da motivação humana ou a hierarquia das necessidades. Ficou curioso? Então continue a ler para entender porque a Pirâmide de Maslow é mais uma daquelas coisas que aprendemos errado e que reproduzimos errado ao longo da vida.

Introdução: o meme da Pirâmide de Maslow

A Pirâmide de Maslow, também conhecida como o Triângulo (ou Pirâmide) das Necessidades Humanas, é, provavelmente, a figura mais famosa nos estudos de administração.

A ideia de que as necessidades humanas existem de forma hierárquica, com as necessidades básicas externas na base da pirâmide, e que funcionários de empresas são motivados para satisfazer cada um dos seus níveis em ordem, enquanto eles progridem na pirâmide até atingirem seu verdadeiro potencial através do prazer da auto-realização, é visto como algo intuitivo, lógico e muito fácil de entender, além de reforçar o senso comum da natureza humana. Inclusive, muitos sugerem que bons gestores deveriam entender onde cada funcionário se localiza na pirâmide para desenvolver suas funções de acordo. E esse ponto aqui é importante, pois é um dos problemas que esse tipo de “mal-entendido”, como o “telefone sem fio” que culminou na “Pirâmide de Maslow”, pode acarretar.

A “Pirâmide de Maslow” se tornou um meme, se tornou viral antes desse termo ficar famoso, e se espalhou nas mais diversas áreas de estudo, incluindo piadas como a pirâmide nas necessidades dos robôs, dos vampiros, dos zumbis, da internet, tem até hotel em Johannesburg dedicado a hierarquia das necessidades em que os níveis das acomodações são organizados no formato da pirâmide e recurso do Power Point inspirado no mesmo.

Ou seja, a Pirâmide de Maslow transformou a teoria de Maslow em uma paródia, um espantalho para o próprio Maslow, que enquanto vivo tentou mostrar que não foi ele quem fez a tal pirâmide (mas não muito, de acordo com um dos artigos que deixarei nesse material), e que o seu trabalho ia além do reducionismo e da simplificação que a pirâmide transmite, sendo sua teoria muito mais profunda e complexa do que isso, além dele ter muitas outras contribuições importantes para a psicologia e outros setores.

Maslow foi presidente da American Psychological Association, fundador da psicologia humanística, o décimo autor na psicologia mais citado no século 20 e um grande intelectual. Ele acreditava que seus estudos poderiam ajudar a explicar o que levava as pessoas a colocarem suas vidas em risco em nome de seus países durante períodos de guerras – ele esteve vivo durante a Primeira e a Segunda Guerra Mundial -, e que a criatividade era um fator muito importante para a pessoa não cair num discurso autoritarista. Perceba que esse é um pensamento que poderia ter sido desenvolvido em pleno 2023, dado o crescente aumento da polarização que temos vivenciado nas últimas décadas.

A simplificação/reducionismo, o “ruído” na comunicação (entre aspas mesmos, porque temos fortes indícios de que boa parte foi intencional) e a transformação do nome de Maslow em um legado que nem era dele (ou pelo menos, não era o que ele queria dizer no fim), são apenas alguns dos malefícios que à primeira vista a inocente “Pirâmide de Maslow” foi capaz de resultar.


Desenvolvimento Parte 1: A revelação

Como coloquei anteriormente, a “Pirâmide de Maslow” é famosa em muitas áreas, para além da Psicologia, que era de fato o campo de estudo de Maslow. Eu mesmo estudei a tal “Pirâmide de Maslow” quando fiz graduação em Publicidade em Propaganda, e assim também ocorreu com colegas de outros cursos que conheço. Cursos de comunicação no geral (como Marketing), Administração, Economia, Relações Públicas e Psicologia, são só alguns que sei que estudam essa pirâmide e, infelizmente, de forma errada.

Portanto, a primeira crítica que faço aqui é ao trabalho de muitos cursos de graduação e outros, que muitas vezes retransmitem informações incorretas (e esse não é o único caso que sei, tem outros, caso gostem desse texto posso até procurar elaborar outros materiais) sem a devida revisão por parte de seus entes, resultando na má formação de seus alunos. Penso que as universidades deveriam começar a utilizar os conteúdos originais dos autores que estão em seus programas, pois além de evitar esse tipo de ruído de comunicação, levaria a real reflexão dos alunos que, afinal, é um dos mais nobres papéis das universidades.

Eu descobri esse erro com relação ao Maslow também não faz muito tempo (se bem me lembro foi em 2018 ou 2019), e deixarei ao longo e no final desse material as referências que comprovam essa “falha” de interpretação.

Bom, muitos dos trabalhos que promovem, criticam ou sugerem melhorias na “Pirâmide de Maslow”, são baseados em um ou nos dois clássicos trabalhos da teoria de motivação de Maslow, o artigo publicado em 1943 na Psychological Review, intitulado “A teoria da motivação humana”, e o livro “Motivação e Personalidade” (primeira edição em 1954).

Então, para começar nosso processo de desconstrução, os autores de um artigo de 2018 publicado na “Academy of Management Learning and Education” chamado “Who Built Maslow’s Pyramid? A History of the Creation of ManagementStudies’ Most Famous Symbol and Its Implications for Management Education” fizeram um escrutínio nos trabalhos de Maslow, passando pela análise de tudo que ele escreveu e foi publicado, incluindo arquivos pessoais de Maslow guardados no centro para a história da Psicologia na Universidade de Akron em Ohio, além de entrevistas com pessoas que trabalharam com muitos que o conheceram e se envolveram na história, parentes etc., e descobriram que, atenção, não tem pirâmide em seus trabalhos!

Pausa para me solidarizar.
  • Incrível né? Anos e anos sendo ludibriados, me compadeço com cada um de vocês que também caíram nesse “conto”, sinto o mesmo, mas vejam pelo lado positivo, agora vocês podem descobrir a verdade e passar a refletir melhor não só sobre as teorias de Maslow em si, como também a desconfiar, questionar e refletir mais sobre discursos pré-moldados que vamos introjetando ao longo da vida.
Fim da pausa, voltando para o texto.

Como puderam perceber, estou deixando aqui os artigos originais para vocês mesmos lerem. Caso achem interessante o tema, leiam! Eu li e me surpreendi, e o gatilho final que me motivou a escrever esse texto foi a aula do professor Altay de Souza, do podcast Naruhodo, que vai além dos materiais que li e que, como profissional da área de comunicação, me fez pensar que o meu esforço feito aqui pela correção não só valeria a pena perante a comunidade brasileira, como também seria uma obrigação!

A partir daqui, irei falar um pouco mais sobre a história do Maslow, como é que sua teoria se tornou uma pirâmide e aprofundar mais nos problemas que citei anteriormente sobre esse “mal-entendido”. Então, se por um acaso você leu até aqui e quiser parar, tudo bem. Você já sabe da verdade, e pode repassar a informação. Agora, se você continua curioso com o debate e quer continuar vendo até onde essa discussão irá chegar, se prepare para o textão (que já está grande), e siga comigo até o fim. Tome uma água ou um café, e vamos lá!


Desenvolvimento Parte 2: o verdadeiro pai da Pirâmide

Das críticas que fazem a Maslow, algumas delas dizem respeito a forma simplificada que a “Pirâmide” transmite o entendimento de que as pessoas são motivadas a satisfazer suas necessidades, uma categoria de cada vez e passo por passo (as linhas horizontais que dividem a tal pirâmide realmente transmitem essa ideia de divisão). Outra crítica muito comum é que tais classificações são vistas como universais, e que vale para qualquer indivíduo, sem considerar sua cultura. Por fim, outra objeção apontada é a falta de evidências científicas na concepção dessa teoria, sendo ela toda baseada em crenças pessoais.

As duas primeiras críticas, posso dizer, normalmente são infundadas, sendo muito mais voltadas para a interpretações de terceiros sobre o trabalho de Maslow ou diretamente à concepção da Pirâmide. A famigerada Pirâmide de Maslow foi primeiramente encontrada em um artigo de Charles McDermid, intitulado “Como o dinheiro motiva os homens” publicado em 1960 na “Business Horizons”, mas não foi encontrado em nenhum dos materiais feitos por Maslow.

McDermid foi um psicólogo consultor que trabalhava para a empresa Humber, Mundie and McClary. Para McDermid, como “motivação máxima no menor custo é o resultado final desejado”, ele aconselhava gestores a utilizarem a teoria de motivação de Maslow, que “poderia ser organizada” como uma pirâmide para avaliar as necessidades dos empregados e ajustar os pacotes de compensação de acordo. Portanto, como o título de seu artigo, quem era seu empregador e seus posicionamentos sugeriam, hoje em dia é fácil perceber quais eram os interesses de McDermid.

Então, senhoras e senhores, é aqui que, definitivamente, a teoria de Maslow sobre a motivação humana e suas necessidades deixa de ser um estudo sobre o homem, sobre autoconhecimento, crescimento e realizações pessoais, sobre indivíduos e como as sociedades diminuem a criatividade individual, e passa a ser direcionado a necessidade de empresas e organizações, e o que elas devem fazer para extrair a “máxima produtividade de cada um no menor custo possível”.

Os resultados disso são vários, incluindo alguns que Maslow já tinha enxergado como a criação de “bolhas de segregação” (até onde sei ele não usou esse termo, isso foi a minha interpretação), grupos polarizados e talvez até eugenistas, de pessoas e funcionários que se enxergam melhores ou piores que outros baseados na posição da hierarquia da pirâmide, gestores que entendem que a depender da posição que alguém se localiza na pirâmide, ele necessita de mais ou menos recursos para sobreviverem, ou como pessoas economicamente inseguras não conseguem produzir criatividade suficiente para satisfazer os mais altos níveis de necessidade, resultando em facilidade de aceitação de pensamentos autoritários (Naruhodo, 2020).


Desenvolvimento Parte 3: críticas a Pirâmide de Maslow e o início do “telefone sem fio

Antes do real criador da pirâmide (McDermid), outros profissionais contribuíram com a mudança do entendimento da hierarquia das necessidades de Maslow e sua má-interpretação. Embora McDermid não cite Keith Davis, os autores do artigo de 2018 (“Who Built Maslow’s Pyramid?”) enxergam que a interpretação de Davis sobre Maslow influenciou as ideias de McDermid.

Davis foi o autor da primeira representação “triangular” que os pesquisadores encontraram sobre a Hierarquia das Necessidades de Maslow. Em 1957, na “Human Relations in Business”, Davis traz uma interpretação em forma de desenho, como uma série de passos que lembram uma escada em um triângulo-retângulo que direciona a um pico.

Davis é conhecido como “Mr. Relações Humanas” pela sua influência na área e ele tinha como objetivo elevar o status da administração dentro das universidades e a compartilhar essa expertise nas empresas. Eles precisavam de algo que desse credibilidade, que transmitisse um ar de “científico” para legitimar crenças internas que muitas daquelas pessoas já tinham. A figura que ele criou ajudou nisso, pressagiando a importação da hierarquia das necessidades para o mercado corporativo da década de 60. Ela foi claramente lançada e pensada para o mercado norte-americano como você pode observar na imagem abaixo, com o hasteamento da bandeira no pico fazendo referência a famosa imagem da “vitória” americana na batalha em Iwo Jima no Japão. Em resumo, aqui já saíamos de uma teoria que era voltada para todos (ideia original de Maslow) para o universo das empresas.

Mas antes de McDermid e Davis, teve Douglas McGregor. O artigo de 2018 diz que talvez Maslow não teria tido impacto tão significante na área de gestão se não fosse McGregor. Foi McGregor, que tinha forte ligação com este setor, que apresentou a hierarquia das necessidades a um grupo de executivos e na qual teve ótima recepção inicial quando pensado para ser aplicado nas indústrias.

McGregor contou isso para Maslow em 1956. Em Setembro de 1957, McGregor escreveu novamente para Maslow pedindo aprovação com a forma que ele tinha utilizado a Hierarquia das Necessidades e pedindo mais informações a respeito da “auto-realização”. A resposta de Maslow para McGregor foi: “muito bom trabalho”, seguida de uma promessa de envio de outros materiais. Sendo assim, podemos ver aqui que Maslow sabia da forma que seu trabalho estava começando a ser usado por McGregor.

Após isso McGregor passou a utilizar Maslow em seus trabalhos, as vezes de forma mais discreta, com sua influência perceptível pela forma com que escrevia ou nas referências de seus materiais (encontrado em “The Human Side of Enterprise” de 1960), mas as vezes com algumas citações mais diretas, como foi o caso também de um artigo enviado para 30 mil membros da American Management Association, em que McGregor dizia ter sido inspirado por Maslow na criação de suas teorias X e Y, mas que por motivos desconhecidos, a parte dessa citação foi ocultada no momento da publicação.

O livro de McGregor “The Human Side of Enterprise” (1960) teve papel transformador nessa nova área que nascia do comportamento organizacional, ou “relações humanas”, como era conhecido. Inclusive, muita gente que citava a Teoria Y de McGregor citava a Hierarquia das Necessidades Básicas como sendo parte da Teoria Y. Sendo assim podemos afirmar que McGregor também facilitou as más-interpretações das teorias de Maslow que vieram depois, com Davis e McDermid.

Por exemplo, a mais popular crítica que se faz a hierarquia das necessidades é a percepção de que as pessoas são motivadas a satisfazer uma necessidade de cada vez, que uma necessidade precisa ser totalmente satisfeita antes de se mover para um nível mais alto da pirâmide, e que uma necessidade satisfeita deixa de ser um motivador para o comportamento humano, pois já não existe mais. Toda essa interpretação sobre a hierarquia das necessidades, originalmente, foi feita por McGregor.

Maslow dizia que tinha consciência de que sua teoria poderia levar a essa falsa impressão. Por isso, em suas explicações sobre as categorias das necessidades, Maslow sempre trabalhava com exemplos extremos, como a fome, e dizia que essas situações são raras para a muitas das pessoas. Para ele, a maior parte das pessoas “são parcialmente satisfeitas em todas as necessidades básicas e parcialmente insatisfeitas ao mesmo tempo” (…), “qualquer comportamento tende a ser determinado por diversas ou todas as necessidades básicas simultaneamente, ao invés de apenas uma delas”.

Outra crítica comum que comentei anteriormente e que também é baseada na adaptação de McGregor sobre as teorias de Maslow, é aquela relativa a universalização da pirâmide. A ideia de que todos os indivíduos em todas as sociedades, independente da cultura, possuem as mesmas necessidades, que elas se dão todas da mesma maneira de acordo com a hierarquia e que são almejadas na mesma ordem foi rejeitada por Maslow, enquanto era propagada por McGregor.

Maslow entendia com base em seus pacientes que, apesar da maioria parecer ter as mesmas necessidades de acordo com a hierarquia, havia “um número de exceções”. Para algumas, “alto-estima” era mais importante que “amor”. Inclusive, “amor” era como Maslow chamava inicialmente o que ficou amplamente conhecido a partir de McGregor como a necessidade “social” da hierarquia. Portanto, temos aqui claramente mais uma prova da divergência para com os trabalhos originais. Vou explorar um pouco mais sobre isso a seguir.

De acordo com Maslow, a exceção mais importante eram os “mártires”, isto é, aqueles que estavam preparados para sacrificar as necessidades de nível mais baixo para perseguir a “auto-realização”. Maslow foi claro quando afirmou “nenhuma declaração foi feita de que auto-realização é definitiva ou universal para todas as culturas”.

Disclaimer: por falta de melhor capacidade de tradução, alguns termos abaixo deixei na versão original em inglês.

Sobre as diferenças de nomenclaturas dadas nos trabalhos originais de Maslow e aqueles que vieram a seguir e que acabaram ficando muito mais comuns e famosos como o tempo, podemos notar que geralmente há diferenças no terceiro nível da hierarquia (na qual Maslow chamava em 1943 de “amor” e posteriormente de “pertencimento e amor”, e que acabou se transformando em “social” a partir de McGregor), no quarto nível nos materiais do McGregor, que chamava “auto-estima” de “ego” (porém, nesse caso, “auto-estima” prevaleceu ao longo do tempo), e no quinto e último nível, nas obras de McGregor que chamava de “self-fulfillment” ao invés de “self-actualization” (original de Maslow, que também prevaleceu) e de McDermid que intitulava isso de “self-realization”. Estou deixando uma tabela a seguir que facilita no entendimento dessa comparação.

Outro nome importante e que vale ressaltar no papel da aplicação da teoria de Maslow nas organizações é o de Chris Argyris, aluno de McGregor. No seu livro “Integrando o indivíduo e a organização” (1964), ele promoveu a simplificação do conceito de Maslow com baixos e altos níveis de necessidades.

Argyres via “sociedades industriais modernas” geralmente tomando conta de necessidades de nível mais baixo, o que não era o caso nas “sociedades subdesenvolvidas”.  Para Argyres, as necessidades de nível inferior referem-se a “atividades organizacionais no nível mais baixo”. Ele escreveu ainda que as recompensas relacionadas à autorrealização “tendem a existir principalmente para os níveis superiores de gerenciamento, para pesquisadores, alguns engenheiros e alguns vendedores”.

Portanto, Argyres foi uma das pessoas que reforçaram aquela visão extremamente perigosa que coloquei anteriormente, uma posição que está muito próximo do darwinismo social, do reforçamento de preconceitos, discriminação e da segregação. Interessante como um assunto que parece ser uma simples má-interpretação e que pouco parece mudar nosso entendimento ou opinião com relação a tal pirâmide pode degringolar numa reflexão muito mais profunda e importante como essa, não é mesmo?


Desenvolvimento Parte 4: quem foi Abraham Maslow?

Nascido em 01 de Abril de 1908 na cidade de Nova Iorque/EUA (justo no dia da mentira, será que deu azar?), Abraham Maslow era o filho mais velho de 07 irmãos de uma família judia no Brooklyn. Seus pais vieram de onde hoje é a Ucrânia mas era a Rússia na época. Sendo assim, podemos imaginar que a vida de uma criança oriunda de uma família estrangeira e judia nos EUA no começo do século 20, também não era nada fácil com relação a discriminação e preconceito, um dos gatilhos que parece ter guiado Maslow a seguir sua área de estudos.

Mas foi em Dezembro de 1941 que Maslow teve sua derradeira revelação. Sentado em seu carro observando um desfile de ex-soldados, ele refletiu sobre o mundo envolvido novamente em mais uma guerra. Diz-se que foi nesse momento que Maslow resolveu dedicar sua vida para desenvolver a “psicologia para uma mesa da paz”. Maslow desejava “uma psicologia que pudesse falar com o potencial humano e sua totalidade“.

Aqueles que colocaram a hierarquia das necessidades à prova entre 1960 e 70 realmente apreciaram a criação de um novo campo de pesquisa com a teoria de Maslow, onde comportamento não era somente o resultado de desejos inconscientes como a psicanálise concebia, ou moldado por recompensas e reforços como os “behavioristas” imaginavam, mas era também motivado pelo desejo de satisfação das necessidades internas do indivíduo.

Com relação a crítica que fazem a respeito de rigor científico, além de ser um profissional com anos de experiência e estudos nas áreas de etologia e comportamentais, Maslow estava vendo pela segunda vez o mundo enfrentando uma guerra. Desta forma, ele enxergava que seu campo da psicologia poderia contribuir no entendimento de suas causas, de forma que o conservadorismo científico e a preocupação com método não eram tão importantes para tal. Maslow acreditava que mudanças de paradigma nos rumos do planeta viriam a partir da criatividade e de uma abordagem propositiva ou questionadora. Em meio ao sucesso de programas espaciais da União Soviética, Maslow emergiu como um dos poucos psicólogos estabelecidos a desafiar o conformismo predominante da década de 1950, a falar de criatividade e de como as grandes organizações e a conformidade social sufocavam a “auto-expressão” individual. Nada a ver com o que se tornou, não é mesmo?

Mesmo apesar de Maslow ter se posicionado contrariamente a tal pirâmide, os autores do artigo de 2018 citam pouco esforço com relação a isso, por ter sido algo muitas vezes meio dúbio. Apesar dos comentários que fiz anteriormente como a consciência da mudança de interpretação de seu trabalho por parte de McGregor, em seu livro de 1965 (“Eupsychian Management”) Maslow revelou sua frustação a teóricos organizacionais, inclusive a McGregor, que estavam vendo sua teoria da natureza humana como um meio de ter ganhos financeiros rápidos ao invés de enxergarem o que ele queria, cidadãos e uma sociedade mais esclarecida.

Contudo, é sabido que Maslow também se beneficiou com a criação da pirâmide no sentido financeiro e no âmbito do “ego”. Maslow viveu por 10 anos após a apresentação de pirâmide elaborada por McDermid. Apesar de algumas críticas com relação ao reducionismo, ao mesmo tempo Maslow se sentiu apreciado no setor de gestão, diferentemente da área da psicologia em que ele se percebia de forma oposta.

Além disso, ele tinha enfrentado períodos de dificuldades financeiras e problemas de saúde. Foi também na área da gestão que Maslow conseguiu obter ganhos financeiros através de palestras e consultorias. Claro que, além de Maslow, outros consultores como o próprio McDermid que elaborou a framework da pirâmide para vender serviços aos seus clientes, universidades e instituições de ensino, a academia da gestão e outros pesquisadores, também fizeram dinheiro através disso. Ao que tudo indica, quem só perdeu fomos nós, pessoas que se formaram e estudaram conceitos incorretos.

Aparentemente, foi mais na fase final de sua vida que Maslow tentou se posicionar mais veementemente contrária a tal pirâmide. Maslow estava desenvolvendo o conceito da Teoria Z (para rivalizar com as Teorias X e Y de McGregor). Contudo, ele faleceu antes de concluir seu trabalho, e, infelizmente, a pirâmide acabou se tornando o legado mais conhecido com seu nome, sem sequer ter sido desenvolvido diretamente por ele.


Desenvolvimento Parte 5: a escada de Maslow ao invés de Pirâmide?

Ainda que Maslow não tenha feito nenhum desenho de nenhuma figura em seus estudos e materiais publicados, alguns sugerem que um trecho de seu livro de 1943 pode ter levado ao interesse na criação de uma ilustração. Nesse trecho Maslow cita arbitrariamente valores percentuais de satisfação em que um cidadão médio teria para cada uma de suas necessidades. Interessante notar que nenhuma delas está completa em 100% mas todas elas tem algum grau de preenchimento, como se cada uma delas fossem independentes umas das outras mas com potencial máximo de se atingir os 100%.

“Se eu pudesse atribuir números arbitrários para fins de ilustração, é como se o cidadão médio estivesse satisfeito talvez 85% em suas necessidades fisiológicas, 70% em suas necessidades de segurança, 50% em suas necessidades amorosas, 40% em suas necessidades de auto-estima e 10% em suas necessidades de autorrealização”.

Embora Maslow nunca tenha apresentado sua hierarquia em um diagrama ou geometricamente, houve um período em que se utilizaram de uma ilustração para apresentar sua teoria. Não era um triângulo ou uma pirâmide, mas uma escada. Uma pesquisa no Google n-gram dos termos “Pirâmide de Maslow” e “escada de Maslow” revela que a escada era uma forma comum de transmitir a teoria até a década de 1980, quando a pirâmide se tornou predominante.

Os autores do artigo de 2018 argumentam que a representação de uma escada aborda o elitismo, o estreitamento (no sentido de que é para poucos privilegiados) e a implicação de ponto final para progresso do desenvolvimento humano para além da possibilidade dos passos necessários para a autorrealização, ideia contemplada pela pirâmide.

Uma escada atenua uma das principais má-interpretações sobre o trabalho de Maslow, a de que as pessoas ocupam somente um nível de cada vez ao longo do tempo. A representação da hierarquia das necessidades como uma pirâmide, com aquelas linhas horizontais que descrevi anteriormente, dificulta para a gente imaginar que as pessoas podem se esforçar para satisfazer diversas necessidades ao mesmo tempo.

Quando pensamos em alguém subindo uma escada, é fácil perceber que vários degraus estão ocupados ao mesmo tempo pela mesma pessoa pelos seus pés e mãos. Além disso, conseguimos imaginar claramente a ideia de movimento, que a pessoa pode subir e descer a escada, se apoiar em um degrau abaixo para poder subir melhor, ou ainda pular alguns degraus tanto na subida quanto na descida.

Como Daniel Wren bem colocou na primeira edição de “The Evolution of Management” (1972), “na teoria de Maslow as pessoas subiam na escada das necessidades à medida que cada nível era satisfeito, mas podiam também mover-se na direção inversa se a satisfação de uma necessidade de ordem inferior fosse ameaçada ou removida.”

Pausa para opinião própria.
  • Particularmente acho que mesmo uma escada, apesar de certamente ser muito melhor do que a pirâmide, a depender da forma como for ilustrada, pode acabar caindo em uma simplificação que tende a se transformar em um simples retângulo na vertical formado por diversos quadrados, e que no fim pode gerar alguns dos mesmos problemas ocasionados pela pirâmide.
  • Pensei em publicar esse material sem arriscar elaborar nenhuma opinião com representação gráfica nova, afinal, isso foi o motivo gerador de todo esse texto. Porém, quem sou para conseguir impactar em algo nessa história já tão complexa, não é mesmo? E ao menos minha intenção aqui é a de tentar corrigir as coisas, de acordo com tudo que li sobre a obra original de Maslow.
  • Sendo assim, acredito que em sendo necessário uma nova ilustração considerando que já existe uma outra errônea que se tornou viral, entendo que é preciso mudar a ideia de divisão que essas representações transmitem.
  • Claro que Maslow falou de hierarquia, mas também falou de categorias, e no meu entendimento, essa pequena mudança reduziria muitos dos problemas. Todos os níveis são importantes, podem ou não ser simultâneos, todos estão conectados entre si sem mais ou menos importante, e todos eles estão dentro de nós.
  • Nesse sentido, deixo a seguir como eu entendi o pensamento de Maslow. Espero que de onde ele esteja, Maslow não se ofenda ou ao menos me perdoe por mais uma ilustração. Ou talvez como era uma pessoa ousada, criativa e bem-humorada, talvez até sinta orgulho de mim!
Fim da pausa, e caminhando para o encerramento (finalmente, está acabando!)

Conclusão: batendo o martelo na Pirâmide de Maslow!

Como espero que tenha ficado claro até aqui, motivar funcionários para serem mais produtivos no trabalho não foi, nem de longe, o que Maslow queria transmitir através de suas teorias a respeito da hierarquia das necessidades e da motivação humana.

A pergunta original de Maslow que estimulou sua teoria da motivação não era “como os gerentes podem motivar os trabalhadores a maximizarem a produtividade e o lucro”, como muitos podem pensar ao ver a pirâmide nos livros de administração, tampouco servir de ferramenta em empresas de consultoria. A pergunta original de Maslow e que motivou o seu trabalho foi “o que realmente precisamos para a felicidade e realização na vida” (tradução livre).

Para Maslow, o teste ideal para identificar a existência de “gestões esclarecidos” era quase o oposto, era olhar na comunidade, no ambiente fora do trabalho, e avaliar neste ecossistema externo quais foram os efeitos das políticas organizacionais sobre o comportamento das pessoas.

E para encerrar, vou deixar aqui uma das frases mais famosas de Maslow de uma forma geral, que muitos também chamam de “O martelo de Maslow”.

Geralmente a frase é popularmente encontrada como “Para quem só sabe usar martelo, todo problema é um prego”. Apesar de facilmente encontrarmos diversas variações dessa frase, vou deixar a frase original que ele usou aqui, pois apesar da existência e divulgação de diferentes versões diferentes, ao contrário do que aconteceu com pirâmide, a mensagem em si se manteve igual, ou até ganhou uma notoriedade talvez muito maior do que Maslow pretendia ou poderia imaginar.

Em 1966, no livro ” The Psychology of Science: A Reconnaissance”, Maslow escreveu o seguinte enquanto se referia a uma máquina de lavar carros que ele havia achado complexa, mas capaz de executar um bom trabalho.

“I remember seeing an elaborate and complicated automatic washing machine for automobiles that did a beautiful job of washing them. But it could do only that, and everything else that got into its clutches was treated as if it were an automobile to be washed. I suppose it is tempting, if the only tool you have is a hammer, to treat everything as if it were a nail.”

Ou seja, se formos simplificar e traduzir o trecho da frase que cita o martelo, seria algo próximo do seguinte: “Suponho que seja tentador tratar tudo como se fosse um prego se a única ferramenta que você tem é um martelo” (tradução livre).

É isso pessoal, terminamos, ufa! Deixarei abaixo todas as referências que utilizei na construção desse material. E se você conseguiu ter a paciência de ler tudo e chegou até aqui, por favor, curta, comente e compartilhe esse material com alguém que também já acreditou na Pirâmide de Maslow. Vamos tentar desmistificar e eliminar de vez essa tal Pirâmide que nem de Maslow é na comunidade brasileira. Um abraço!


Referências:

A Theory of Human Motivation. A. H. Maslow (1943). Link aqui: http://psychclassics.yorku.ca/Maslow/motivation.htm

A pirâmide de Maslow faz sentido? Naruhodo (2020). Link aqui: https://www.b9.com.br/shows/naruhodo/naruhodo-252-a-piramide-de-maslow-faz-sentido/

How did The Maslow get its name? Sun International (2018). Link aqui: https://www.suninternational.com/maslow/stories/business/how-maslow-got-its-name/

How Money Motivates Men. Charles D. McDermid. Link aqui: https://www.sciencedirect.com/sdfe/pdf/download/eid/1-s2.0-S0007681360800341/first-page-pdf

Maslow, Abraham Harold (1966). The Psychology of Science: A Reconnaissance. Harper & Row. ISBN 978-0-8092-6130-7.

Maslow, A. H. 1987. In R. Frager & J. Fadiman (Eds.), Motivation and personality (3rd ed.). New York: Harper & Row.

Who Built Maslow’s Pyramid? A History of the Creation of Management

Studies’ Most Famous Symbol and Its Implications for Management Education. Link aqui: https://www.researchgate.net/publication/324535823_Who_Built_Maslow%27s_Pyramid_A_History_of_the_Creation_of_Management_Studies%27_Most_Famous_Symbol_and_Its_Implications_for_Management_Education?enrichId=rgreq-7acaa8fe44cf48d511b19bc2a28e047b-XXX&enrichSource=Y292ZXJQYWdlOzMyNDUzNTgyMztBUzo5NDY2NjY2NzY5NzM1NjhAMTYwMjcxNDMzMjQ4OQ%3D%3D&el=1_x_3&_esc=publicationCoverPdf


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Paulo Moreira

Eu sou o que eu faço profissionalmente? Eu sou meu crachá? Se sim, tenho experiências como gestor de negócios digitais, em especial e-commerce's e marketplace's, além de ser professor, colunista e palestrante. Tenho formação em Publicidade e Propaganda, MBA em Marketing e Mestrado em Administração. Se não, sou inventor, escritor, criador de conteúdo, artista, humorista, companheiro, filho ... e assim por diante. Ou seja, sou só mais um cara comum com muitas ideias.

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