Brain Rot e Inteligência Artificial: Como a Tecnologia Afeta Nossa Capacidade de Pensar

Brain Rot e Inteligência Artificial: Como a Tecnologia Afeta Nossa Capacidade de Pensar

O que é Brain Rot?

Existe um termo que tem ganhado força recentemente para descrever esse fenômeno: “brain rot”, ou, em português, “apodrecimento cerebral”. Pode parecer exagerado, mas estudos científicos recentes sugerem que essa expressão captura algo muito real sobre o que está acontecendo com nossa cognição na era digital.

O Oxford University Press escolheu “brain rot” como a Palavra do Ano de 2024, reconhecendo uma preocupação crescente: o consumo incessante de conteúdo digital superficial, tais como memes, vídeos curtos, posts sem substância, dentre outros, pode estar minando nossa capacidade de pensar.

Pesquisadores têm observado que essa sobrecarga de informação trivial leva a problemas sérios: nossa memória fica prejudicada, nossa capacidade de manter o foco diminui e perdemos gradualmente a habilidade de pensar de forma crítica e analítica.

Uma revisão científica publicada na revista Brain Sciences em 2025 descreve o “brain rot” como um declínio mental causado pela exposição constante a conteúdo digital de baixa qualidade.

Os efeitos documentados incluem sobrecarga cognitiva, dessensibilização emocional e déficit nas habilidades mentais essenciais, aquelas que usamos para memorizar informações, planejar nossas ações e tomar decisões.

O que torna isso ainda mais preocupante é que esse declínio frequentemente vem acompanhado de comportamentos compulsivos, como o “doomscrolling” (aquele hábito de ficar rolando notícias ruins sem parar), uso excessivo de redes sociais, além de sintomas de ansiedade e depressão.

Mas o problema não para por aí. Agora, com a popularização das inteligências artificiais generativas como o ChatGPT, surgiu uma nova camada de preocupação: estaríamos delegando tanto nossas tarefas mentais para as máquinas que nosso próprio cérebro está começando a “enferrujar”?


Quando Terceirizamos Nosso Pensamento

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Criado por inteligência artificial (olha só a ironia :P)

Existe um conceito na psicologia cognitiva intitulado como “offloading cognitivo”, que é, basicamente, quando delegamos tarefas mentais para agentes externos.

E nós fazemos isso o tempo todo, quanto mais acesso a tecnologia, mais isso ocorre, mesmo antes das IAs generativas entrarem em moda. Por exemplo, anotamos compromissos e tarefas em algum software online para não precisar lembrar de tudo, consultamos o GPS em vez de memorizar rotas, gravamos números de nossos familiares no celular ao invés de decorarmos, utilizamos calculadoras para não fazer contas de cabeça.

Esse comportamento, em si, não é necessariamente ruim. Na verdade, é óbvio que isso pode nos ajudar a gerenciar melhor nossa carga mental, principalmente ao considerar a quantidade absurda de informações que estamos imersos diariamente. O problema surge quando essa terceirização se torna excessiva e constante.

Um estudo de 2024 publicado na revista Societies investigou exatamente essa questão em relação ao uso de ferramentas de IA. Os resultados foram taxativos: pessoas que usavam IA com muita frequência apresentavam habilidades de pensamento crítico significativamente inferiores em comparação com aquelas que usavam menos. E o mecanismo por trás disso é justamente o offloading cognitivo.

Pense assim: quando você sempre pede para o ChatGPT ou para o Gemini resolver um problema, escrever um texto ou tomar uma decisão por você, seu cérebro deixa de exercitar essas capacidades. É como um músculo que, quando não é usado, vai perdendo força com o tempo. Pesquisadores alertam que essa “terceirização” constante pode levar a uma atrofia real das nossas habilidades cognitivas internas. Gradualmente, perdemos a capacidade de lembrar informações, de pensar analiticamente e de solucionar problemas de forma autônoma.

Estudos clássicos sobre motores de busca já mostravam algo parecido: desde que temos o Google, as pessoas se lembram mais de onde encontrar uma informação do que da informação em si. Com as IAs generativas, esse efeito parece estar se intensificando. Quando temos respostas prontas disponíveis instantaneamente, nosso cérebro para de se esforçar para refletir, questionar e analisar. Acabamos aceitando respostas superficiais sem o devido questionamento crítico. Agora, imagina isso adicionado a um país com baixa qualidade de educação. Pois é, receita pronta para dar tudo errado.


O Que Acontece No Nosso Cérebro

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Hunter x Hunter: Bankruptcy (obs: essa é para os nerds feito eu)

Uma das pesquisas mais interessantes sobre esse tema foi conduzida no MIT Media Lab em 2025. Os cientistas monitoraram a atividade cerebral de jovens adultos enquanto eles escreviam textos, alguns com auxílio do ChatGPT, outros sem qualquer ferramenta digital. Os resultados não surpreendem.

Os participantes que usaram o ChatGPT apresentaram o menor engajamento cerebral de todos os grupos estudados. Usando eletroencefalogramas (EEG), os pesquisadores conseguiram ver que a conectividade neural desses indivíduos estava visivelmente reduzida. Ao longo de quatro meses, escrevendo várias redações, o grupo que usava IA passou a despender cada vez menos esforço mental. Muitos começaram simplesmente a copiar e colar trechos gerados pela máquina, sem nem processar o conteúdo.

E quando, no final do estudo, pediram para esses participantes reescreverem um ensaio sem ajuda, muitos mal conseguiam lembrar do texto original que eles mesmos haviam “criado” com o ChatGPT. Isso indica falhas sérias na retenção de conhecimento e na integração da experiência à memória de longo prazo. Em outras palavras: o cérebro estava tão “desligado” durante o processo que não formou memórias adequadas.

Em contraste, os participantes que escreveram sem IA apresentaram maior atividade nas redes neurais relacionadas à atenção, memória e criatividade. Eles também relataram sentir mais engajamento e satisfação com a tarefa. Seus cérebros estavam, literalmente, “acesos”, processando informações, fazendo conexões, criando conhecimento real.

A autora do estudo fez um alerta importante: embora as ferramentas de IA ofereçam conveniência imediata, esse alívio excessivo da carga mental pode sacrificar nosso desenvolvimento cognitivo de longo prazo. Isso é especialmente preocupante para cérebros jovens, que ainda estão em fase de formação e desenvolvimento.

Outros estudos têm confirmado essas descobertas. A Microsoft Research conduziu um levantamento com 319 profissionais e encontrou uma correlação clara: quanto mais alguém recorria a assistentes de IA, pior era seu desempenho em testes de pensamento crítico. A análise concluiu que a disponibilidade da IA encoraja uma terceirização tão intensa do esforço mental que muitas pessoas começam a confiar mais nas sugestões automatizadas do que em suas próprias capacidades.

No ambiente educacional, o cenário é igualmente preocupante. Estudos com universitários mostram que o uso excessivo de código gerado por IA ou respostas automatizadas deixa os alunos menos capazes de resolver problemas de programação ou matemática por conta própria. Quando a ajuda digital é retirada, fica evidente a dependência criada e a menor retenção do conteúdo aprendido.

Pesquisadores descrevem isso como um “atrofiamento cognitivo induzido pela IA”: quando o cérebro deixa de ser exercitado em tarefas como escrever, resolver questões e lembrar informações devido à constante intervenção da máquina, ocorre uma diminuição da plasticidade cerebral e do desempenho nessas funções ao longo do tempo.

Existe até um termo para esse fenômeno: “dívida cognitiva”. Quanto mais delegamos nossos esforços mentais para a automação, menos nosso córtex pré-frontal – região do cérebro responsável por funções executivas complexas – é acionado. E isso pode levar a déficits que vão além da tarefa imediata, afetando nossa capacidade cognitiva geral.


Reflexões Finais

É importante deixar claro: a inteligência artificial não é, em si, vilã. Essas ferramentas podem ser incrivelmente úteis quando usadas de forma consciente e equilibrada. O problema está, como em tudo na vida, no uso excessivo e acrítico, quando passamos a depender delas sempre, deixando nosso próprio cérebro de lado.

As evidências científicas já são sólidas o suficiente para nos fazer parar e refletir. O fenômeno do “brain rot” não é apenas uma expressão da internet ou um exagero de gente que quer criticar a tecnologia. É um alerta real, respaldado por pesquisas científicas, sobre o que pode acontecer quando nos tornamos cognitivamente preguiçosos.

A mensagem que emerge desses estudos é uma mensagem de cautela: precisamos encontrar um equilíbrio. Precisamos educar crianças e jovens (e a nós mesmos) sobre como usar a tecnologia de forma saudável. Isso significa estabelecer limites, pensar em políticas públicas, manter uma interação ativa com o conhecimento de diferentes formas, continuar exercitando nosso cérebro e não deixar que a conveniência da IA substitua completamente nosso esforço cognitivo.

Porque, no fim das contas, pensar é um exercício. E como qualquer exercício, se pararmos de praticar, perdemos a forma. A diferença é que, neste caso, o que está em jogo é algo muito mais precioso do que músculos físicos, é a nossa capacidade de pensar criticamente, de criar, de lembrar, de aprender e de sermos verdadeiramente autônomos em nosso intelecto.


Referências Bibliográficas

arXiv (2025). “Protecting Human Cognition in the Age of AI”. Disponível em: https://arxiv.org/html/2502.12447v1

Brain Sciences (2025). “Demystifying the New Dilemma of Brain Rot in the Digital Era: A Review”. Disponível em: https://pmc.ncbi.nlm.nih.gov/articles/PMC11939997/

Forbes Brasil (2025). “Até a IA Sofre com o ‘Brain Rot’ Causado por Conteúdos de Baixa Qualidade”. Disponível em: https://forbes.com.br/forbes-tech/2025/11/ate-a-ia-sofre-com-o-brain-rot-causado-por-conteudos-de-baixa-qualidade/

MDPI – Societies (2024). “AI Tools in Society: Impacts on Cognitive Offloading and the Future of Critical Thinking”. Disponível em: https://www.mdpi.com/2075-4698/15/1/6

Polytechnique Insights (2025). “Generative AI: the risk of cognitive atrophy”. Disponível em: https://www.polytechnique-insights.com/en/columns/neuroscience/generative-ai-the-risk-of-cognitive-atrophy/

TIME Magazine (2025). “ChatGPT’s Impact On Our Brains According to an MIT Study”. Disponível em: https://time.com/7295195/ai-chatgpt-google-learning-school/

Post original “Brain Rot e Inteligência Artificial: Como a Tecnologia Afeta Nossa Capacidade de Pensar” no Linkedin: https://www.linkedin.com/pulse/brain-rot-e-intelig%C3%AAncia-artificial-como-tecnologia-de-moreira-msc–jddaf

Paulo Moreira

Eu sou o que eu faço profissionalmente? Eu sou meu crachá? Se sim, tenho experiências como gestor de negócios digitais, em especial e-commerce's e marketplace's, além de ser professor, colunista e palestrante. Tenho formação em Publicidade e Propaganda, MBA em Marketing e Mestrado em Administração. Se não, sou inventor, escritor, criador de conteúdo, artista, humorista, companheiro, filho ... e assim por diante. Ou seja, sou só mais um cara comum com muitas ideias.

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